Estou sentada ao lado dos destroços da minha refeição, lembrando-me de
uma noite já distante em que fui rebaixada como humana por uma amiga muito
querida. Comíamos um misto-quente daqueles bem queijudos quando, com um fiapão
de muçarela grudado no queixo, reclamei:
– Nossa, olha a meleca que eu faço comendo isso!
– Eu também faço – respondeu ela –, por isso é que não como este tipo de
coisa na frente de gente!
Emocionada, agradeci o elogio; ela, ao tentar se desculpar, engatou um
ataque de riso gostoso e contagiante. Apesar de ter ido para a segunda divisão
dos seres humanos naquele dia, o conselho que havia nas entrelinhas era sábio:
convém evitar comidas duvidosas quando se está acompanhada de gente pouco
íntima. Acredito que essa amiga já nem se lembra disso, mas, nos quinze anos
que separam hoje do ocorrido, eu venho resgatando tal memória em todas as
santas vezes que saio para jantar com um cara pela primeira vez.
Conheço a etiqueta e sei me comportar à mesa, mas não aprendi ainda o
milagre da contenção de alimentos. Por que o recheio de um sanduíche nunca fica
apenas entre os pães?! Pelo menos os meus recheios sempre tentam virar
cobertura. E o maldito fio de macarrão, Dio mio? Juro que nem o
mais fiel enrolamento à italiana faz com que a pontinha do emaranhado no garfo
não fique, no mínimo, cinco centímetros dependurada, lambuzando o queijo desta
pobre comensal que só quer causar boa impressão. E os guardanapos então?!
Tenho uma teoria: o poder absorvente de um guardanapo de lanchonete é
proporcionalmente inverso ao teor de engorduramento do prato servido. Agora há
pouco, olhei timidamente as pessoas que estão sentadas nas mesas ao lado...
Todas limpinhas! Por que cargas d’água minha bandeja virou uma mixórdia de
guardanapos imundos e amarrotados enquanto elas conseguiram comer o mesmo que
eu sem se sujar?
Depois de uns anos e muitas situações constrangedoras, aperfeiçoei
algumas táticas de sobrevivência neste ambiente hostil, o restaurante. Dividi-las-ei
com você. Jantar num primeiro encontro? Evite hamburguerias; alimentos
escorregadios exigem certo milagre para serem comidos com saldo positivo. Fuja
de casas italianas; este tipo de comida é traiçoeira: boa, mas repleta de
molhos com alto grau de periculosidade manchativa. Nem pense em fazer tipo de
saudável comendo salada; as malditas folhas verdes sempre trocam o caminho do
esôfago pelos cantos recônditos dos dentes. E nunca saia de casa sem um kit de
primeiros socorros que contenha fio dental & Cia. Ltda. (para limpezas
óbvias), talco ou sei lá o quê (para tirar manchas de última hora) e álcool em
gel (porque está na moda e deve servir pra alguma coisa além de ajudar a
combater a Gripe Suína, já não tão em moda assim).
Parei de escrever para dar minha última mordida. Resultado: lambuzei a
boca e a mão direita, usei três guardanapos para limpar tudo e notei olhares
recriminadores pro meu lado. Vou encerrar isto aqui e sair o mais discretamente
que puder.
Ótimo! Quando me levantei, um pedacinho do lanche que tinha caído na
minha perna rolou para o chão. Nervosa, tropecei na cadeira. Todos me olharam e
viram farelinhos de pão caindo da blusa branca, que está acrescida de várias
pintinhas de molho de tomate. Sem mais.