quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Crime Alimentar


Estou sentada ao lado dos destroços da minha refeição, lembrando-me de uma noite já distante em que fui rebaixada como humana por uma amiga muito querida. Comíamos um misto-quente daqueles bem queijudos quando, com um fiapão de muçarela grudado no queixo, reclamei:

– Nossa, olha a meleca que eu faço comendo isso!
– Eu também faço – respondeu ela –, por isso é que não como este tipo de coisa na frente de gente!

Emocionada, agradeci o elogio; ela, ao tentar se desculpar, engatou um ataque de riso gostoso e contagiante. Apesar de ter ido para a segunda divisão dos seres humanos naquele dia, o conselho que havia nas entrelinhas era sábio: convém evitar comidas duvidosas quando se está acompanhada de gente pouco íntima. Acredito que essa amiga já nem se lembra disso, mas, nos quinze anos que separam hoje do ocorrido, eu venho resgatando tal memória em todas as santas vezes que saio para jantar com um cara pela primeira vez.

Conheço a etiqueta e sei me comportar à mesa, mas não aprendi ainda o milagre da contenção de alimentos. Por que o recheio de um sanduíche nunca fica apenas entre os pães?! Pelo menos os meus recheios sempre tentam virar cobertura. E o maldito fio de macarrão, Dio mio? Juro que nem o mais fiel enrolamento à italiana faz com que a pontinha do emaranhado no garfo não fique, no mínimo, cinco centímetros dependurada, lambuzando o queijo desta pobre comensal que só quer causar boa impressão. E os guardanapos então?! Tenho uma teoria: o poder absorvente de um guardanapo de lanchonete é proporcionalmente inverso ao teor de engorduramento do prato servido. Agora há pouco, olhei timidamente as pessoas que estão sentadas nas mesas ao lado... Todas limpinhas! Por que cargas d’água minha bandeja virou uma mixórdia de guardanapos imundos e amarrotados enquanto elas conseguiram comer o mesmo que eu sem se sujar?

Depois de uns anos e muitas situações constrangedoras, aperfeiçoei algumas táticas de sobrevivência neste ambiente hostil, o restaurante. Dividi-las-ei com você. Jantar num primeiro encontro? Evite hamburguerias; alimentos escorregadios exigem certo milagre para serem comidos com saldo positivo. Fuja de casas italianas; este tipo de comida é traiçoeira: boa, mas repleta de molhos com alto grau de periculosidade manchativa. Nem pense em fazer tipo de saudável comendo salada; as malditas folhas verdes sempre trocam o caminho do esôfago pelos cantos recônditos dos dentes. E nunca saia de casa sem um kit de primeiros socorros que contenha fio dental & Cia. Ltda. (para limpezas óbvias), talco ou sei lá o quê (para tirar manchas de última hora) e álcool em gel (porque está na moda e deve servir pra alguma coisa além de ajudar a combater a Gripe Suína, já não tão em moda assim).

Parei de escrever para dar minha última mordida. Resultado: lambuzei a boca e a mão direita, usei três guardanapos para limpar tudo e notei olhares recriminadores pro meu lado. Vou encerrar isto aqui e sair o mais discretamente que puder.

Ótimo! Quando me levantei, um pedacinho do lanche que tinha caído na minha perna rolou para o chão. Nervosa, tropecei na cadeira. Todos me olharam e viram farelinhos de pão caindo da blusa branca, que está acrescida de várias pintinhas de molho de tomate. Sem mais.

domingo, 11 de novembro de 2012

A Senha


Sabe aquelas pessoas que, aonde vão, esquecem alguma coisa? Eu esqueço senhas. Esqueci a do meu cartão do banco há mais de mês. Esqueci também a da conta poupança – pela terceira vez! Como ambas são do mesmo banco, criei coragem e fui até lá assassinar dois leporídeos com uma bordãozada só. Ganhei novos números pra poupança; pra conta corrente não - a agência é outra. Tudo bem que não moro mais naquela cidade e que levarei um tempinho para visitá-la de novo... Tudo bem que, até lá, eu não terei noção do que acontece com o meu saldo... Tudo bem... Controlar dinheiro é para os fracos!

Simplesmente não me lembro de jeito nenhum daqueles malditos seis dígitos. Pra ser honesta, acho que sei dois deles, mas não tenho nem a mais porca ideia se são os primeiros, os do meio ou os do fim. Vou viajar amanhã e não poderei fazer saques nem pagar em débito... Tudo bem! Tudo bem, tudo bem, tudo bem, essas coisas simplesmente acontecem (comigo). Em alguns momentos chego até a achar graça da memória pouco privilegiada que me prega peças.

Agora, o que não tem a menor graça é este outro esquecimento irritante: a senha de um e-mail. Mais do que isso: a senha do e-mail que dá acesso a um site de relacionamentos praticamente extinto. Há mais de ano, esta infeliz se apagou irremediavelmente da minha cachola. Para evitar aborrecimentos, venho ignorando o fato desde então, mas hoje me incomodei e entrei de uma vez por todas no site, disposta a resgatar meu e-mail a qualquer custo.

1ª tentativa: “você não consegue acessar sua conta?”, pergunta-me o site, cooperativo. Sim, é exatamente isso. Clico na opção “não me lembro da senha”. O burro me pede para reescrever o nome do usuário; pelo visto, não sou a única desmemoriada aqui. Vá lá, também preciso cooperar. Escrevo. Solícito, ele me mostra os últimos dois números do (meu) celular que está cadastrado à conta e diz que, em poucos minutos, enviará para lá um novo código. Droga, há muito tempo já não tenho esse chip!

2ª tentativa: clico em “não consigo acessar nenhuma das opções de recuperação” e ele me encaminha a um teste de identidade. Maravilha, não tenho a menor dúvida de que eu sou eu, logicamente acertarei qualquer coisa que me perguntarem! Ledo engano. Ele abre o inquérito com “qual a última senha de que você se lembra?”. Meu querido - tenho vontade de dizer -, se eu não sei a última, por que cargas d’água saberia a penúltima?! Digito qualquer coisa na tentativa de enganar o sistema. Aí vem a mais absurda dupla de perguntas imagináveis: “qual foi a última vez que você acessou esta conta?”, “quando você a criou?”. Pasmo. Que tipo de gente se lembra de algo assim?? Mas vamos lá, tenho uma vaga lembrança. Acessei pela última vez esta porra no começo do ano... Será que foi em fevereiro? Talvez já fosse março... Bom, com certeza foi antes de Junho! Vou pôr abril pra ficar no meio do caminho. Agora, a outra... Putz, quando eu criei a conta é sacanagem, hein?... Acho que foi em 2005, mas tem uma chance gigante de ter sido no ano seguinte ou no outro ainda. Não mais do que isso. Fica 2006 pela via das dúvidas. Envio as respostas. Como uma assombração, a página volta, acusando-me de desleixada: “você precisa especificar dia e mês”.

Ah, francamente!

Não parece óbvio que o tipo de pessoa que se esquece de senhas é naturalmente incapaz de se lembrar de informações tão inúteis, senhor site? Não sei qual foi a última vez que te acessei, fico feliz em não recordar o lamentável dia em que virei sua “sócia” e estou explodindo de satisfação por não lembrar a senha e nunca mais olhar pra sua cara!