terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A Casa da Vó


O ano de 2013 começou e, creiam, minha vida está cheia de novos planos. Só que nada parece inteiramente novo. Escrevo direto do meu querido mausoléu de lembranças, o lugar que escolhi como ninho para os novos planos: a vazia casa da minha vó. Resolvi dedicar este ano a muito estudo, pois preciso focar no futuro. Mas agora, vivendo de foco, percebo claramente como a vida - esta pândega - insiste em me mostrar como está repleto de passado o meu futuro.
Por motivos econômicos, voltei a morar com a minha mãe. Uma rotina que imaginei inédita: cursinho para concurso público de manhã, academia no fim da tarde para descarregar a energia que tenho em excesso e horas e mais horas de estudo. Acontece que me deparei com novos dias que começam como nos anos do colégio, com minha mãe me despertando com o carinhoso copo de leite em mãos; com um cursinho que ocupa o espaço onde sempre morou minha tia-avó; com uma academia cheia de amigos dos velhos tempos; e com almoço em família, coisa cara para quem, como eu, passou a última década intercalando dias de bandejão com dias de comidas congeladas trazidas do interior (sombras gustativas do que foram no calor do fogão e do lar). Embalada pela onda do novo-velho, optei por estudar todos os dias na casa da minha vó. “Lá é silencioso” é o que falo para quem me pergunta por que ir justo para aquele lugar. “Lá é onde eu mais me encontro comigo mesma” é a resposta que oferto em pensamento. 
Há sete anos, quando ela se foi, esta casa virou um lugar proibido. Imaginei que pisar aqui seria doído e estranho, que, se isso acontecesse, eu conheceria a palavra “vazio” em sua mais triste acepção. Autodefesa: apagou-se da minha memória a primeira vez em que aqui voltei. Porém, sei que pouquíssimo tempo bastou para me ensinar que neste lugar nenhuma solidão seria possível.
Estou sentada na varanda (a varanda!), assistindo a uma pancada de chuva e sendo arrastada por um vendaval de sentimentos. Sou normalmente saudosista, mas aqui sinto uma saudade às avessas. Os respingos da chuva que agora me atingem ecoam as inúmeras orações que, ao meu lado, minha vó ofertou à Santa Rita para que a rua não sofresse outra enchente. No gramado, hoje maltratado, ressoam os gritos dos primos que tantas vezes ali jogaram bola. Na cozinha, desértica, movimentam-se tios que conversam, bebem e riem. O sofá transmite o som do jornalzinho televisivo das sete da manhã, que eu não entendia quando era pequena, mas que via com prazer porque me proporcionava a hora de ficar deitada com a vovó. O estático gancho da rede range, balançando todos os Guimarães e todos os sonhos que se refestelaram ali. Saudade às avessas, lembranças de um tipo raro que só aqui encontro: vivas! Não se afastam no tempo e não machucam.
A tempestade está passando... O silêncio, convidativo, aponta meus livros... Mas o burburinho dos tempos distantes ainda chove aqui dentro.

Originalmente publicado em 15-jan-2013, no site do projeto social Um Brinde à Vida, em que escrevo a coluna mensal Caleidoscópio.
http://www.ubavbrasil.com.br