quarta-feira, 27 de março de 2013

Cavalada


Tarde da madrugada e eu aqui matutando sobre o cavalo, este ser complexo. Estranho, concordo, estranhíssimo!, mas são coisas que passam pela mente inconstante de uma  insone que se apegou ao animal depois de vê-lo adjetivado em versões opostas. Primeiro, na cena picante de um filme, aos berros, por uma mulher sexualmente ensandecida: “vai, cavalão!” (pouco me importa se você está curioso para saber a que tipo de porcaria ando assistindo); horas mais tarde, na rua, também aos berros, por uma mulher raivosamente ensandecida: “some da minha frente, seu cavalo!” Ora aclamado garanhão, ora excomungado grosseirão... como é profundo o significado não-denotativo do cavalo, como é profunda a inquietação viajante da mente que não encontra descanso no travesseiro.

Cavalo-marinho, Cavalo de Troia, Cavalo de Fogo...

Minha prima, 5 anos. Num segundo, confiantemente montada no novo cavalo do sítio, pai segurando de um lado, mãe do outro. No segundo seguinte, estatelada no chão após o trote furioso que o Bob deu para se vingar dos donos que lhe cobravam passadas de pangaré velho. No mesmo sítio, uns anos depois, um adulto sem limites enfileirou no lombo da burrica de estimação familiar simplesmente quatro crianças alvoroçadas. Nada burra, a bicha, que notou que dar uma empacada por metro não estava demovendo seu dono e os tresloucados cavaleiros do propósito de contornar a casa, com velocidade incomum, deu uma viradinha corporal ao dobrar a “esquina” e em sincronia perfeita lançou à lama suas quatro rivais, ainda engatadinhas umas às outras.

Saudoso cair do cavalo infantil! O latu sensu só começa anos depois, mais ou menos quando aquela amizade acaba por causa de uma acusação falsa e aquele pé na bunda biônico te arranca do “Fantástico Mundo de Bob” (nada a ver com o equino que brincou de segura peão com minha prima!) As marcas são outras, mas o susto é basicamente o mesmo. Cair do cavalo é impactante em qualquer esfera de sentido. Quem já caiu várias vezes e sabe que terminar pranchado no chão é um destino quase inevitável aprende a curtir o galope e se agarrar à crina do animal com mais força - se eu cair, este quadrúpede vai junto!

Cavalo-vapor, cavalete, cavalhada...

Cavalo por cavalo, lembrei do maldito cavalo branco que tantas mulheres esperam que chegue trazendo o príncipe encantado. Não sei se o que me deixa mais indignada é a crença num homem perfeito ou a capacidade doentia de imaginar que, se tal coisa existisse, viria acoplada a um cavalo. A um cavalo branco. De outra cor não serve, de busão não serve, de jatinho particular menos ainda. Tenha a santa paciência que nem pra Pollyanna esse papinho cola! Sinto muito, mas se você já fantasiou algo assim (refiro-me à soma louca “homem + cavalo branco”, pois sei que, em alguma fase da vida, toda pessoa estigmatizada pelo XX já fantasiou um homem perfeito) espero que ele te encha de coice. Ele, o animal, não o homem.

Cavalinho de pau (o brinquedo), cavalinho de pau (a manobra), Cavalera (a marca)...

E a mente privada de sono fica ainda mais confusa... A cavalo dado não se olha os dentes. Não mesmo? Conheço gente capaz até de levar o tal cavalo para um spa odontológico e ganhar às custas do bichão uma verbinha. Tenho um fato verídico, mas deixa pra lá... Bife a cavalo, tá dando fome... Preciso dormir. Vou contar cavalinhos: salta, andaluz! Agora é sua vez, cabardino! Vamos, percheron, sem preguiça, salta! Não vai dar, achei engraçado. Pior que amanhã acordo cedo e tô exausta. Vou chamar o tarja preta; há de ser uma dose cavalar.

4 comentários:

  1. Hahaha... amei! Até me lembrei de um caso em um sítio... Eu pequena e curiosa (chata), quis andar em um jeguinho... pois bem! Ele disparou e quase me logou em um rio... Mas foi bem engraçado! Agora vc com o Vai Cavalão....hahhaha

    ResponderExcluir
  2. Adorei a crônica!
    Cavalo por cavalo, ou cavalo por burrica, ou até o de Tróia (que supostamente conduziu o príncipe de Helena junto com os soldados (isto foi na Turquia!, que pertencia a Grécia na época, deixa pra lá), cavalo hoje só o de São Jorge, que está na moda, porque a novela quer.
    Saudades de vc.
    Grande beijo.
    Flávio

    ResponderExcluir
  3. hahah...Muito bom, livs!!! Eu nao tenho boas lembranças da primeira ,e única, vez que tentei andar de cavalo. hahahah...O príncipe encantado foi melhor! aha

    ResponderExcluir
  4. Pois é, Dani... cavalos (e príncipes desencantados) e seus grandes riscos psicológicos! hehehe

    Seu causo do "vai jeguinho" rende uma boa crônica, Ana!

    Moda por moda, pai, você é chique e seguiu os passos do cavalo de São Jorge de perto... nada mau! Fico aqui com minhas humildes crônicas de "coices"...


    ResponderExcluir