domingo, 28 de abril de 2013

Bolofobia


Meu trauma de abril faz hoje 11 anos, e eu não tinha percebido até sacudir a ressaca moral da cama no meio da tarde e ver que estamos no malfadado 28 de abril, o dia que abriu o portal dos abris tenebrosos, em 2002. Tive realmente algumas experiências bem ruins em todos os últimos 11 meses de abril. Nem sempre no dia 28, mas como ele comandou os acontecimentos dos dois primeiros anos, virou o símbolo do meu pavor abrilino. Na minha humilde opinião, agosto tem menos motivos pra ganhar o epíteto de “mês do cachorro louco” do que abril.

Não vou descrever aqui meus 11 episódios lastimáveis, basta que você imagine algumas coisas ruins que podem acontecer com uma pessoa e saber que, quando é comigo, acontece em abril. Para ilustrar, colocarei aqui uma crônica não-publicada de abril do ano passado. Não fala de um acontecimento grave e não foi o tenebroso daquele mês, mas exemplifica bem como o meu cachorro mental fica louco nesta época:

“Depois de quase cinco meses morando na Europa e - é justo acrescentar! - tendo pouquíssimo contato social, finalmente recebi, numa segunda-feira, o meu primeiro convite:

- O que você tem pra fazer na quarta? Vai ser legal se você arrumar um tempinho e vier pra minha festa de aniversário, às 7 da noite, em casa – estou fazendo 30 anos!

Como no marasmo em que eu me encontrava, até convite pra velório teria soado atraente, aceitei de pronto. O que dou de presente? Do que europeus gostam?? Ai, meu Deus... europeus!! E agora? Será que o ritual de aniversário aqui é diferente?! A satisfação durou segundos, irracionalmente comecei a ter uma estranha sensação de desconforto mental. Perguntei - por educação, dinheiro eu quase não tinha - se deveria levar alguma coisa.

- Ah, seria bom se você trouxesse o bolo!

Foi então que aconteceu: o desconforto mental virou uma tresloucada pipocação de ansiedade. O bolo?! Por que cargas d’água ela quer que eu leve o bolo?!?! Onde eu vou arrumar um bolo?!?!?! Quanto custa um bolo aqui?!?!?!?! Como assim o convidado levando o bolo?!?!?!?!?!

As quatro letras emBOLOtaram os meus pensamentos e eu mal dormi naquele dia. Rolei na cama, desesperada, pensando no sabor, no formato, no valor, na aparência e no efeito que o bolo deveria causar. E o pior: onde achar o tal bolo? Em todo meu tempo morando lá, só tinha visto 2 padarias em toda a cidade! Como estava cheia de coisas pra fazer, não tive tempo de pesquisar bolos e afins na terça-feira e, na madrugada de quarta, eu era um arremedo de gente. À mal dormida noite anterior, somou-se outra de insônia total. Nem tomar meu tarja preta emergencial resolveu a situação, só clareou um pouco os meus pensamentos e me fez ter noção exata do ridículo da situação. Por que estou com medo de comprar um b-o-l-o? Mas que por%$!

Levantei da cama puta e decidida. Vou rodar essa droga de cidade, mas não me chamo Lívia se não achar um bolo decente! Dito e feito: rodei a cidade. Nas poucas padarias que achei, os bolos eram feios e os valores exorbitantes. Maldito comércio europeu! No supermercado 1, eram minúsculos; no 2, inexistentes e no 3, tinham cara de bolo ruim! Pus pra fora tudo o que estava entalado no meu peito e chorei. Chorei. Chorei ainda mais um pouco e só consegui me sentir ainda pior porque sabia como era absurdo estar sofrendo por causa de um amontoado de trigo, ovos e leite. Foi então que, embaçada pelas lágrimas, uma chocolateria se materializou do que pareceu ser o nada e lá, finalmente, encontrei um bolo bonito, que parecia delicioso, minúsculo e caro, porém pagável. Fui pra casa confiante, satisfeita por ter cumprido minha missão impossível e inconformada por ter me martirizado tanto por tão pouco. Às 5 e 30 a amiga aniversariante me ligou:

- Sinto muito mesmo, mas passei mal hoje e cancelei a festinha. A gente pode se encontrar amanhã?

- Sim, acho que o bolo resiste até lá... No mesmo horário na sua casa então?

- Ah, não... Não me sinto mais em clima para comemorações, mas a gente marca um almoço!

E – simples assim! – levei um bolo.”

6 comentários:

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    1. Claro que sim... Qualquer dúvida foi sanada com esta minha prova cronical de demência!

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  2. Como sempre a sua visão hiperativa e caleidoscópica aguça nossa mente e prende-nos o olhar na leitura do texto pintando o cenário da sua emoção. Parabéns!

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    1. Obrigada, Neo... Não me esqueci de publicar também no UBAV, só ando com o tempo bem curto, ms logo pareço por lá!

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  3. hehehe...como sempre seu texto nos divertindo. Adorei!!!

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