Meu trauma de abril faz hoje 11
anos, e eu não tinha percebido até sacudir a ressaca moral da cama no meio da
tarde e ver que estamos no malfadado 28 de abril, o dia que abriu o portal dos
abris tenebrosos, em 2002. Tive realmente algumas experiências bem ruins em
todos os últimos 11 meses de abril. Nem sempre no dia 28, mas como ele comandou
os acontecimentos dos dois primeiros anos, virou o símbolo do meu pavor
abrilino. Na minha humilde opinião, agosto tem menos motivos pra ganhar o
epíteto de “mês do cachorro louco” do que abril.
Não vou descrever aqui meus 11
episódios lastimáveis, basta que você imagine algumas coisas ruins que podem
acontecer com uma pessoa e saber que, quando é comigo, acontece em abril. Para ilustrar,
colocarei aqui uma crônica não-publicada de abril do ano passado. Não fala de
um acontecimento grave e não foi o tenebroso daquele mês, mas exemplifica bem
como o meu cachorro mental fica louco nesta época:
“Depois de quase cinco meses
morando na Europa e - é justo acrescentar! - tendo pouquíssimo contato social,
finalmente recebi, numa segunda-feira, o meu primeiro convite:
- O que você tem pra fazer na
quarta? Vai ser legal se você arrumar um tempinho e vier pra minha festa de
aniversário, às 7 da noite, em casa – estou fazendo 30 anos!
Como no marasmo em que eu
me encontrava, até convite pra velório teria soado atraente, aceitei de pronto. O que dou de presente? Do que europeus
gostam?? Ai, meu Deus... europeus!! E agora? Será que o ritual de aniversário
aqui é diferente?! A satisfação durou segundos, irracionalmente comecei a ter
uma estranha sensação de desconforto mental. Perguntei - por educação, dinheiro
eu quase não tinha - se deveria levar alguma coisa.
- Ah, seria bom se você trouxesse
o bolo!
Foi então que aconteceu: o
desconforto mental virou uma tresloucada pipocação de ansiedade. O bolo?! Por que cargas d’água ela quer que
eu leve o bolo?!?! Onde eu vou arrumar um bolo?!?!?! Quanto custa um bolo aqui?!?!?!?!
Como assim o convidado levando o bolo?!?!?!?!?!
As quatro letras emBOLOtaram os meus
pensamentos e eu mal dormi naquele dia. Rolei na cama, desesperada, pensando no
sabor, no formato, no valor, na aparência e no efeito que o bolo deveria
causar. E o pior: onde achar o tal bolo? Em todo meu tempo morando lá, só tinha
visto 2 padarias em toda a cidade! Como estava cheia de coisas pra fazer, não
tive tempo de pesquisar bolos e afins na terça-feira e, na madrugada de quarta,
eu era um arremedo de gente. À mal dormida noite anterior, somou-se outra de insônia
total. Nem tomar meu tarja preta emergencial resolveu a situação, só clareou um
pouco os meus pensamentos e me fez ter noção exata do ridículo da situação. Por que estou com medo de comprar um b-o-l-o?
Mas que por%$!
Levantei da cama puta e decidida. Vou rodar essa droga de cidade, mas não me
chamo Lívia se não achar um bolo decente! Dito e feito: rodei a cidade. Nas
poucas padarias que achei, os bolos eram feios e os valores exorbitantes. Maldito comércio europeu! No
supermercado 1, eram minúsculos; no 2, inexistentes e no 3, tinham cara de bolo
ruim! Pus pra fora tudo o que estava entalado no meu peito e chorei. Chorei. Chorei
ainda mais um pouco e só consegui me sentir ainda pior porque sabia como era
absurdo estar sofrendo por causa de um amontoado de trigo, ovos e leite. Foi
então que, embaçada pelas lágrimas, uma chocolateria se materializou do que
pareceu ser o nada e lá, finalmente, encontrei um bolo bonito, que parecia
delicioso, minúsculo e caro, porém pagável. Fui pra casa confiante, satisfeita
por ter cumprido minha missão impossível e inconformada por ter me martirizado
tanto por tão pouco. Às 5 e 30 a amiga aniversariante
me ligou:
- Sinto muito mesmo, mas passei mal hoje e cancelei a festinha. A gente
pode se encontrar amanhã?
- Sim, acho que o bolo resiste até lá... No mesmo horário na sua casa
então?
- Ah, não... Não me sinto mais em clima para comemorações, mas a gente
marca um almoço!
E – simples assim! – levei um
bolo.”
vc eh doente! houhou
ResponderExcluirClaro que sim... Qualquer dúvida foi sanada com esta minha prova cronical de demência!
ExcluirComo sempre a sua visão hiperativa e caleidoscópica aguça nossa mente e prende-nos o olhar na leitura do texto pintando o cenário da sua emoção. Parabéns!
ResponderExcluirObrigada, Neo... Não me esqueci de publicar também no UBAV, só ando com o tempo bem curto, ms logo pareço por lá!
Excluirhehehe...como sempre seu texto nos divertindo. Adorei!!!
ResponderExcluir"Como sempre" vc me apoiando... sua fofa! obrigada.
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